segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Fronteiras fechadas na Guiné



O governo de transição da Guiné, presidido pelo General Konaté, decretou o fechamento de todas as fronteiras terrestres, marítimas e fluviais do país. Os vôos estão permitidos pois essa é a época que os peregrinos que foram à Meca estão de retorno pra casa. Cerca de 6 mil guineenses foram à Arábia Saudita esse ano para a peregrinação, e agora começam a voltar. 

O governo não deu a menor explicação sobre o porquê do fechamento das fronteiras, simplesmente anunciaram na rádio nacional e pronto, estava decidido. Acredita-se que a medida extra-ordinária deve durar somente até quinta-feira, dia 02/12/10, quando o resultado defintivo das eleições serão divulgados, condizendo com o já declarado estado de emergência que está em vigor desde quinta-feira passada.
Espero que até janeiro já seja "legal" entrar na Guiné... 

E principalmente que continue sendo "legal"  sair de lá...



quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Europa faz mal à saúde


Hoje na África grande parte da prevenção e tratamento de doenças é feita por ONGs humanitárias internacionais como Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha, Médicos do Mundo entre muitas outras. A falta de planejamento, corrupção e pobreza de muitos países africanos fazem com que seus respectivos governos dependam dessas organizações para cuidarem de sua população. Muitas vezes essas ONGs são a única assistência à saúde disponíveis. A maioria dessas organizações sobrevive através de doações ao redor do mundo e, por este motivo, levam muito a sério a maneira como gastam seu dinheiro. A distribuição gratuita de remédios é grande parte dos gastos, portanto a busca por medicamentos mais baratos é fundamental.

Hoje em dia é na Índia onde são produzidos os genéricos mais baratos e eficazes do mundo. O preço de um medicamento genérico pode chegar a impressionantes 1% do valor de mercado. Em geral, se tem no mínimo uns 70% de diferença. Visto isso, dá pra compreender os benefícios de se ter o genérico para essas organizações e seus orçamentos. Essa notícia seria ótima, se não fossem pelos portos europeus.

Os medicamentos que partem da Índia para a África passam por portos e aeroportos europeus, e eles vêm sendo apreendidos por não respeitarem as leis de patente da União Européia (detalhe: os medicamentos só estão passando pela Europa, seu destino final é a África). Esta burocracia absurda resulta na interrupção do tratamento de diversas doenças graves na África. Só no caso do HIV, há cerca de 160.000 pessoas no continente que dependem exclusivamente desses remédios. Patentes são um assunto polêmico e não me atrevo a argumentar mais sem antes estudar sobre a questão a fundo. Mas de uma coisa estou certo, há algo muito errado em deixar uma burocracia portuária da União Européia matar milhares de pessoas paupérrimas e doentes no continente mais necessitado do mundo. Como se a Europa já não tivesse prejudicado o suficiente a África ao longo dos últimos séculos...

Hoje o Comissário da União européia está tentando junto ao governo Indiano interromper a fabricação de genéricos por um período de 10 anos, quando venceriam as patentes. Uma década me parece tempo demais de espera pra quem está precisando sobreviver.

Pra quem se interessar no assunto e quiser assinar embaixo (eletronicamente) uma carta-protesto elaborada pela ONG Médicos Sem Fronteiras e enviá-la ao Comissário da U.E. , acesse o link: https://action.msf.org/pt_BR/action/index/

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Política vs. Investimentos

Une patrouille de l'armée guinéenne dans une banlieue proche de la capitale Conakry, le 18 novembre 2010.
O exército patrulha as ruas de Conakry
Foto da Reuters - Joe Penney


A Guiné está em estado de emergência desde 5ª feira passada para ver se consegue controlar os diversos protestos violentos que ocorreram no país logo após o resultado da eleição presidencial. Este é um padrão africano, geralmente depois de resultados de eleições “a cobra fuma”.

Mas aparentemente a calma está imperando no país desde então. Algumas ONGs estão denunciando abuso da Força Especial de Segurança do Processo Eleitoral (FOSSEPEL). Dizem que invadem casas, quebram as mobílias e estupram as mulheres. Cerca de 10 pessoas morreram desde o resultado das eleições. Algumas foram mortas por rivalidades políticas e outras pela FOSSEPEL. O “método” parece ter surtido efeito e os manifestantes estão agora em casa.

A Corte Suprema da Guiné vai decidir até dia 02 de dezembro o veredito final das eleições. Apesar de o resultado oficial ter dado 52% dos votos a Alpha Condé, seu rival Celloun Diallo entrou com recurso de fraude e outras acusações. O primeiro colocado também entrou com diversos recursos na Corte Suprema contra seu rival perdedor. Todos os processos devem ser julgados em no máximo 10 dias, quando o resultado verdadeiramente definitivo deve ser anunciado. Não dá pra saber se vai haver mudança do resultado já anunciado, mas se houver há boas possibilidades de mais protestos e violência.

Enquanto isso eu fico aqui no Brasil esperando essa turma se resolver pra poder embarcar. Instabilidade política é de fato um grande espantalho para investidores e empresas de fora. Enquanto não se entendem, os investimentos no país ficam parados, esperando...

O projeto do qual vou participar ficou 20 anos nas mãos da Rio Tinto, que por dificuldades políticas não conseguiu desenvolvê-lo. Nesses 20 anos passaram ditadores e militares, nada amistosos com investidores internacionais.

Uma vez resolvida toda essa questão eleitoral e com relativa tranqüilidade reinando, a Vale deve entrar com tudo pra não dar tempo de ter outra recaída política no país e o projeto ficar parado por mais 20 anos.

O projeto engloba a construção de duas vias férreas, um aeroporto, um porto (na Libéria), uma hidroelétrica entre outros. Fora a mina propriamente dita. É um mega projeto sobre o qual ainda sei poucos detalhes. De toda forma sei que o país com o 13º pior IDH do mundo (de 169 países) deve estar desesperado por investimentos de todos os tipos. E a Vale só vai mandar os expatriados uma vez que houver estabilidade política. Se não, nada de aeroporto, mina, hidroelétrica, linha férrea...

Fico pensando no Brasil e da quantidade de investimentos estrangeiros que entraram desde o fim da ditadura. O país saiu do marasmo e da miséria para o status de potência econômica e líder das nações emergentes em pouco mais de 20 anos. Talvez na Guiné eu observe algo em comum com o Brasil de alguns anos atrás, a abertura política, sua transformação e crescimento lentos... embora eu acredite que vá demorar mais tempo do que 2 ou 3 anos (o tempo que devo ficar por lá) pra sentir alguma mudança paupável. Apesar de que para um país onde falta praticamente todos os tipos de infraestrutra, uma pequena diferença pode surtir um grande efeito.

É ver pra crer.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Das vacinas...



Checklist de vacinas a serem tomadas antes de partir:

  1. Difteria e Tétano (3 doses): OK
  2. Rubéola, Caxumba e Sarampo (tríplice viral): OK
  3. Hepatite A: à tomar
  4. Hepatite B: OK
  5. Febre Amarela: OK
  6. Febre Tifóide: à tomar
  7. Meningite A e C: à tomar
  8. Poliomielite: OK
  9. Gripe Sazonal: à tomar
  10. Profilaxia da Raiva: à tomar
  11. Cólera: à tomar
  12. Varicela: à tomar
Por enquanto só tomei 5 porque literalmente a enfermeira não tinha mais onde me furar. Semana que vem eu tomo mais uma 5! (ai!)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Lune de Gorée

Canção linda baiana-senegalense sobre o porto de Gorée, no Sénegal. Deste porto partiram milhões de escravos em direção às Américas. Neste concerto em plena sede da ONU em Nova York, Gilberto Gil (co-autor da canção) tenta comunicar com o mundo através da música, lindo gesto.

(contribuição do amigo Fiu)

Um gostinho de Àfrica francofônica....

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Resultado das eleições na Guiné

Presidente eleito ontem - Alpha Condé - 1o. presidente democraticamente eleito na história da Guiné

Video da France24 sobre o resultado da eleição de ontem (o vídeo está em Francês, mas quem não entender vai pelo menos pegar o espírito da coisa)


Ontem saiu o resultado do 2º turno da eleição presidencial na Guiné: Vitória de Alpha Condé. 

Tendo que no 1º turno ele obteve apenas 18% dos votos, os 52% que obteve agora no 2º turno significa uma verdadeira reviravolta. Seu adversário Celloun Diallo obteve 52% no 1º turno teve 47% agora. Ainda há tensão nas regiões de “curral eleitoral”  de Celloun Diallo, as pessoas estão com medo de sair de casa, e houve casos de violência ao redor do país. A tensão se dá principalmente pela volátil combinação partido político e grupo étnico. O candidato perdedor, Diallo, é da etnia Peuls que corresponde a cerca de 30% da população e são a maioria da elite. Já Alpha Condé é da etnia Malinké (leia-se malanquê), que representa cerca de 23 % da população. A 3ª maior etnia é a Soussou que representa 10%. O restante é composto por uma série de etnias de menor representação. 

Etnia é assunto sério na África e já foi combustível pra muitos massacres e guerras recentes, vide Rwanda em 1994, Darfour no Sudão em 2009 (até hoje) e Norte Kivu na República Democrática do Congo hoje em dia ,entre outros. 

O discurso do novo presidente Alpha Condé é o de “governar para todos”, independente de etnias. Lendo sobre o seu passado não é difícil de acreditar no que diz. Foi exilado por mais de 20 anos em 5 diferentes países, foi líder comunista negro na França, foi condenado à morte por Sékou Touré e lutou sempre contra as ditaduras guineenses ao longo dos últimos 40 anos. Tem 72 anos de idade e uma biografia admirável de uma pessoa que conseguiu, depois de muitos anos de luta pró-democracia, chegar ao cargo máximo de seu país, quando muitos desistiram no meio do caminho. Vou procurar sua biografia pra comprar, caso haja um livro publicado, deve ser muito interessante. Por essas razões o mundo está vendo com bons olhos a sua eleição. Ele é muito respeitado na Guiné e fora dela. 

Acontece que ainda há muita tensão no ar e, por mais bem intencionado que seja o novo presidente, muitas pessoas da etnia Peul não aceitaram a vitória surpreendente de seu adversário, alegando fraudes e irregularidades. 

A estabilidade do país vai depender muito de como as reações vão se desenrolar nos próximos dias . De toda forma a Guiné entra numa nova fase depois desse dia histórico, o dia em que foi democraticamente eleito seu presidente, pela pirmeira vez.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Introdução à Conakry

Península de Kaloum



 Foto aérea de Conakry


Conakry (em portugûes Conacri) é a capital da Guiné e possui uma população de aproximadamente 2 milhões de habitantes. A cidade fica em uma península estreita no oceano Atlântico. Possui um aeroporto internacional e o principal porto do país. Há um estádio de futebol principal chamado "28 de setembro", o mesmo do massacre. Também há uma das maiores mesquitas da África que foi doada pela Arábia Saudita (90% da população da Guiné é muçulmana).

Também há o Palais des Nations que foi construído em 1978 junto com mais 50 casas de luxo para receber a conferência da Organização da Unidade Africana (OUA). A morte do presidente Sékou Touré em 1984 fez com que a conferência fosse anulada, sendo que USD 62 milhões tenham sido jogados no lixo. Este mega palácio foi destruído em 1996 por militares dissidentes, permancendo em ruínas até hoje. As 50 mansões construídas são hoje usadas por membros do governo e orhganizações internacionais. Creio que deve ser uma das grandes atrações ao meu ver. 

Perto dali existe a île de Los, um complexo de ilhas que possui praias bonitas e uma infraestrutura de hotéis. Parece ser um lugar ideal pra relaxar um pouco depois de uma semana de estresse. 

Há em Conakry vários mercados populares famosos por seus artesanatos, tecidos, instrumentos musicais e trombadinhas. 

Pelo que andei pesquisando existe até mesmo um bar de jazz que toca o estilo musical de quarta à domingo, esse eu vou ter que conferir. 

Também há uma escola de acrobacias famosa no mundo todo, que recruta os meninos de rua e ensina diariamente artes acobráticas e de circo, geralmente ao ar livre, na praia. Para quem gosta de fotografar , como eu, deve ser um prato cheio. Essa escola também dá aula pra quem se interessar... quem sabe eu não pego umas aulinhas? :-P

Claro que ao chegar lá tudo vai ser bem diferente do que os guias de viagem e o Goolge me mostram, mas já tenho uma noção razoável do que esperar. 

É uma cidade paupérrima mas segura, segundo os guias. Das cidades grandes africanas é uma das mais pacíficas. Os relatos de problemas estão geralmente relacionados ao soldados do exército e seus subornos aleatórios e intimidantes do que com roubos, assaltos, trombadinhas e etc... Ou seja, melhor ficar atento ao ver um guarda, principalmente à noite nos "checkpoints", quando estão bêbados. Bom deixar sempre um dinheiro reservado para o "cafézinho" dos soldados.

Tudo isso são especulações, ainda não cheguei lá. Não sei ainda em que bairro vou morar, nem onde fica a sede da empresa. Só sei mesmo que vou em janeiro 2011 e que vou morar em Conakry e não no interior.

Em breve eu começo a arrumar a mala...

domingo, 14 de novembro de 2010

Contextualização da Guiné


Localizada bem na ponta da África, a Guiné fica a 4h de vôo de Natal e a 6h de vôo de Paris.


A bandeira tricolor da Guiné. Vermelho para o sangue derramado pelo seu povo na luta pela liberdade, o amarelo pela riqueza dos seus recursos naturais e o verde pela abundante vegetação.


Existem 4 países no mundo que usam a palvra "Guiné"  no seu nome: Guiné, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial e Papua Nova Guiné. O país sobre o qual eu me reporto no blog é simplesmete Guiné, alguns chamam de Guiné-Conakry já pra tirar qualquer confusão. 

Falando a grosso modo, a Guiné foi colônia francesa até 1958, quando adquiriu a independência através de um referendo popular organizado pela metrópole. A Guiné foi na época o único país de todas as colônias francesas a optar pela independência. O que não agradou ao General De Gaulle, que governava a França na ocasião. Em pouquíssimo tempo todo o corpo administrativo francês, seus dirigentes, instituições e etc foram retiradas da Guiné, deixando pra trás um país completamente "sem dono".

Em 1958 sobe ao poder então um guineense chamado Sékou Touré, que vai se tornar um paranóico e implantar uma ditadura "das bravas" até o ano de 1984. Seu governo se aliava discretamente à URSS durante a guerra fria, apesar de receber também ajuda americana.
Com sua morte em 1984, entra no poder Lansana Conté, que também implementa um regime repressor e violento. Apesar das eleições existirem no período em que ficou no poder, de 1984 a 2008, elas foram muito pouco transparentes e representativas. 

Em 2008 ele morre e entra um governo militar de "transição", liderado por Moussa Dadis Camara. Este governo promete organizar eleições inicialmente, mas o poder sobe à cabeça de Camara, e em 2009 anuncia que será candidato às elições presidenciais, o que levanta suspeitas entre os guineenses e o mundo todo sobre a legitimidade das eleições à vir. Então em 2009, na comemoração da independência do país, 28 de setembro, manifestantes organizam um "showmício"  no principal estádio de Cronakry. O exército, que fazia a segurança do evento, fecha os portões do estádio, metralha mais de 130 pessoas e estupra mais de 300 mulheres (algumas por dias) como forma de repressão. Este evento ficou conhecido como o " Massacre do Estádio de 28 de Setembro". Pasmem, isso foi em setembro de 2009, outro dia, não um evento de outras eras longíquas mais brutais. Desde esse evento deplorável Camara perdeu sua legitimidade no poder e foi esfaqueado pelo seu principal acessor. Gravemente ferido teve de ser substituído por um outro general, chamado Sékouba Konaté em dezembro de 2009.

Konaté conseguiu de fato organizar as primeiras eleições democráticas da Guiné desde sua independência em 1958, sem que nenhum militar se candidatasse. É a primeiraa eleição transparente e reconhecida internacionalmente pela sua seriedade. O segundo turno aconteceu há uma semana (dia 07/11/10), onde sobraram na disputa Alpha Condé e Celloun Diallo. O resultado ainda não saiu, pois ambos os candidatos entraram com pedidos de fraude um contra o outro, e o resultado só vai sair depois desse impasse.É história acontecendo diante dos olhos...

Saindo da política um pouco, a Guiné é também conhecida por "caixa d´água da África" por conter 3 nascentes de grandes rios africanos: Niger, Gambie e Senegal. Seus recursos naturais são dos mais abundantes do continente, o que entretanto ainda não trouxe benefícios para o país. A Guiné possui uma forte cena musical, patrocinada pelo passado comunista que acreditava na identificação nacional através da música. Este legado permanece forte e tenho certeza que vou descobrir novos "barulhos" por lá.
A Guiné foi classificada em 156o. lugar no ranking do IDH 2010, sendo que há 169 países na lista. É um país pobre, muito pobre. 

Bom, esta foi uma "breve"  contextualiação do país para melhor compreender do que vai se passar no dia-a-dia nos causos a serem contados aqui.



Sobre o Blog


Apartir de janeiro 2011 vou me mudar pra Conakry, capital da Guiné, onde vou trabalhar por uns 2 ou 3 anos em um projeto de infraestrutura e mineração (projeto que envolve dois países: Guiné e Libéria).
Como um bom seguidor de blogs de expatriados ao redor do mundo, resolvi também fazer o meu, com o objetivo de descrever vivências cotidianas neste país (e outros) do continente africano. 

A África é um continente que me atrai por razões diversas, algumas explicáveis outras nem tanto. Creio que o que mais me envolve é o fato de ser um lugar onde a história está acontecendo diante dos nossos olhos, hoje, agora. São golpes de estado, ditaduras, fome, guerras e etc. Sem esquecer dos acontecimentos positivos, como eleições democráticas pela primeira vez em décadas (tal o caso da Guiné), desenvolvimento econômico acelerado, cenário cultural rico entre outros. Tudo isso com mínima cobertura da imprensa brasileira, que inexplicavelmente negligencia um continente tão rico de histórias fantásticas. O Brasil é o país com a maior diáspora negra de todos os tempos e ainda assim se comporta como se não tivesse "nada a ver com a África".

Pois agora vou ver de perto e espero trazer pra quem se interessar algumas informações e causos interessantes sobre essa experiência.