A rotina de vida de Conakry é bastante sufocante, de diversas formas e por várias razões diferentes. Primeiramente o trabalho. Há sempre muita coisa a ser feita, então nunca volto pra casa às 18h00 ou 19h00, como a maioria das pessoas normalmente fazem. O expediente aqui não tem hora pra acabar. Do meu apartamento dá pra ver o pôr do sol, cena que só pude presenciar duas vezes desde janeiro até hoje, afinal o evento acontece por volta das 18h30. Essa rotina é esperada pros expatriados, mas querendo ou não, isso acaba deixando muito pouco tempo pra fazer qualquer outra coisa.
Conakry também sufoca no sentido que algumas coisas básicas que fazemos no Brasil não são feitas com facilidade aqui. Andar a pé nas ruas, por exemplo. Um branco sempre se destaca na multidão,e pode atrair olhares de interesseiros, charlatões e cia, alguns deles vestindo fardas. Então, ir num mercado ou simplesmente ir a restaurante a pé, enfim, andar por qualquer motivo é sempre um pouco tenso. Essa falta de liberdade talvez seja o que mais me incomoda.
Ainda falando em coisas normais que não se fazem por aqui, tem a fotografia. Como eu já havia dito em outro post, tirar fotografia aqui é bastante inviável. Já ouvi casos de pessoas tendo suas câmeras tomadas por “autoridades”, pois tinham sacado fotos de algum monumento, ou simplesmente porque um branco com uma câmera na mão no meio da rua é o alvo perfeito pra quem quer extorquir. Como um filhote de zebra perdido no meio da savana africana lotada de leões. Isso é bastante frustrante pra quem gosta de fotografia, afinal cada esquina aqui é um banquete de imagens. E pelo jeito isso não vai mudar tão cedo.
Ao longo da semana, essas limitações podem levar a uma sobrecarga da paciência, ou da falta dela. Entretanto eu encontrei uma boa válvula de escape para o final de semana (leia-se domingo): as ilhas de Lôs. São algumas ilhas que ficam a uns 10 Km de distância desde o porto dos pescadores de Conakry. Passar pelo porto em si já é uma experiência. Existe uma multidão de pessoas, indo e vindo, com caixas de peixes, tijolos, sacos e etc. todos circulando em ordem caótica. A maioria dos peixes que se come em Conakry chegam por lá, e o fluxo de gente e mercadoria é enorme. Ao lado do ponto de desembarque fica também o mercado de peixes.
Para se chegar ao barco, entra-se num “píer” de cimento de mais ou menos 2 metros de largura que se estende por uns 50 metros em descida, até submergir na água .Este corredor de cimento fica abarrotado de gente, então é importante ficar atento e não cair nas águas imundas que circundam o lugar. Passada esta etapa, se pega uma canoa (“pirogue”), dessas bem primitivas.. O “procedimento padrão de segurança” da embarcação é tirar o excesso de água de dentro do barco uns 10 minutos antes de embarcar. Depois do “procedimento” completo partimos, e com mais ou menos uma hora de viagem chega-se a ilha de Roam, uma das que compõe o conjunto.
Ao longo do percurso até a ilha existem várias embarcações antigas naufragadas, com a metade da carcaça enferrujada pra fora da água. Toda a rota parece um grande cemitério de navios, o que dá um toque de cenário de abandono que só a África tem.
Com umas 3 praias relativamente curtas e um pequeno vilarejo de pescadores a pequena ilha tem uma atmosfera própria.
Diferentemente de Conakry, as restrições são muito menores. Pode-se andar a pé sem preocupação, tirar fotografias além de curtir uma boa praia.
Apesar de já existirem uma certa quantidade de casas construídas, a ilha conserva, em sua maior parte, a paisagem natural., com baobás, coqueiros e outros tipos de vegetação fechada.Seguem algumas fotos:
Criançada ficou animada com a câmera
Lá também há uma escola de música enfiada no meio da mata, onde é ensinada a arte de alguns instrumentos musicais tipicamente africanos, como Kora, Djembê, entre outros. Os músicos que habitam a ilha freqüentemente saem à caça de um trocado e percorrem as praias tocando seus instrumentos e cantando. A música que fazem somada ao cenário é a combinação perfeita para fazer a ambiance local. A sensação de estar nesta ilha africana, com o a visão do mar, escutando essa música tipicamente local é algo quase transcendental. O trocado que os músicos conseguem é mais do que merecido.
Músicos tocando seus instrumentos típicos
Além de tudo isso, se come muito bem também. O dono do barco que nos leva também é dono de uma casa na ilha, onde serve um verdadeiro banquete de frutos do mar como almoço: lagostim, peixes, salada de camarão e etc. Com direito também a vinho rosé e uma(s) cervejinha(s).
Enfim, pra quem passa a semana com restrições básicas de ir-e-vir, a ilha é um pequeno refúgio de liberdade do dia-a-dia de Conakry. Um belo achado. Esta é só a ilha de Roam, ainda existem as outras do conjunto de Ilhas de Lôs, e com certeza vou dar um jeito de conhecê-las ao longo do tempo.